A Deccan Development Society na Índia
Boletim Internacional de Desenvolvimento Local Sustentável Boletim Informativo nº 94
Judith Hitchman, Martine Theveniaut, dezembro 2012
A Deccan Development Society na Índia
Por Judith Hitchman
A Deccan development society (DDS) é uma organização de base que tem vinte anos e que trabalha em cerca de 75 aldeias com coletivos de mulheres chamados sanghams (associações de pobres no âmbito da aldeia) no distrito de Medak, Estado de Andhra Pradesh, na Índia. As 5 000 mulheres da DDS representam as mais pobres entre as mais pobres em suas comunidades aldeenses. A maioria delas são dalits (ou intocáveis), o grupo mais baixo na hierarquia social indiana.
Esta Sociedade tem como objetivo consolidar estas associações de aldeia nos órgãos vitais de governança local primária e as federa em grupos de pressão fortes para as mulheres, os pobres e os dalits. Por meio de uma multiplicidade de diálogos contínuos, de debates, de educação e outras atividades com as pessoas, animados pela Sociedade, tenta-se traduzir esta visão de mundo em realidade.
Os programas lançados pela Sociedade evoluíram no decorrer do tempo para se tornar uma voz política de peso para as mulheres do campo. O que começou com a intenção de assegurar as necessidades de subsistência dos membros sangham se tornou uma ferramenta de empoderamento para ajudá-las a responder as grandes questões de segurança alimentar, de melhoria dos recursos naturais, de educação e das necessidades de saúde da região. A integração consciente das diversas atividades da Sociedade permitiu recuperar as posições naturais de liderança das mulheres em suas comunidades, e de lutar contra a falta de acesso e de controle aos próprios recursos. Essas atividades, bem como aquelas para assegurar os cuidados da terra, tiveram por consequência criar cuidados humanos dando às mulheres uma dignidade redescoberta e um papel de destaque em suas comunidades aldeenses.
Comunidades autônomas
No cerne de todas as atividades da DDS se encontra o princípio fundamental do acesso e do controle que leva à autonomia das comunidades locais. A autonomia torna-se muito mais importante em um mundo globalizado que conhece o encolhimento das fronteiras nacionais e o desaparecimento das soberanias nacionais. Neste contexto, é crucial para as comunidades locais assumir certos campos de autonomias para evitar ser esmagado pelas forças invisíveis da globalização.
Foi seguindo este roteiro que as mulheres dos sanghams DDS trabalharam para as autonomias seguintes:
• Autonomia da produção alimentar
• Autonomia nas sementes
• Autonomia nos recursos naturais
• Um mercado autônomo
• Meios de comunicação autônomos
Isto é realizado de maneiras diferentes que se completam mutuamente: a soberania alimentar inclui os bancos comunitários de germoplasma, o controle dos recursos naturais, o controle do mercado, um sistema especial “de educação verde” que abarca uma gama de atividades, começando por balwadies [escolas administradas pela comunidade para crianças de 5 anos e menos], que fornecem um ambiente de aprendizagem criativo para as crianças em Pachasaale, uma escola única para as crianças que trabalham, o que aporta a aprendizagem formal e competências de vida sob um mesmo teto, e transforma a educação em um campo de interesse para as crianças das zonas rurais. Nesta gama se encontram outros esforços educativos, tais como as oficinas intensivas para as mulheres adultas e escolas noturnas nas aldeias para crianças que não iam à escola, etc.
Entrevista com a jovem Mayuri
Em uma recente reunião em Périgueux, eu tive a oportunidade de entrevistar Mayuri, uma pré-adolescente de 11 anos, muito especial, que já produziu vídeos premiados. Ela viajara com Sateesh, o secretário geral da DDS e a tia dela. Seu filme sobre a soberania alimentar e a conservação das sementes comunitárias é algo espetacular. É um excelente exemplo de como este sistema particular de educação pode favorecer o empoderamento e o talento natural, utilizando as mídias como ferramenta de comunicação potente para a educação dos analfabetos (e os letrados nas sociedades ocidentais também!). Intrigada por suas competências, eu a entrevistei com a ajuda de Sateesh, de forma a poder partilhar sua história com os leitores de nosso boletim.
Satessh explica que « quando Mayuri tinha 3 anos, ela começou a vir para o nosso campus cada dia. Progressivamente, construiu uma amizade com ela e descobri que ela gostava de câmera. Quando ela tinha apenas 4 anos, ela compreendia bem como se servir de uma câmera. Ela tinha um talento natural. Desde a idade de 6 ou 7 anos, ela passou para o vídeo, e ela tinha liberdade para usar a câmera vídeo. Ela nunca olhou para trás.”
Perguntei a Mauyri onde ela se vê daqui a 5 anos.
“Espero fazer mais filmes sobre a agricultura e a vida rural a fim de que cada um possa aprender mais sobre a agricultura. Os jornalistas não fazem isto. É meu dever porque todo mundo deveria saber mais sobre a agricultura. Devemos mostrar aos outros como o “governo” (é o termo utilizado para designar qualquer estrutura importante fora da comunidade, neste caso, as empresas de sementes) dá aos agricultores sementes que são diferentes das sementes que são diferentes das nossas (OGM). Queremos mostrar que com nossas sementes tradicionais, podemos realmente alimentar o mundo todo e ter uma vida sadia.”
“Eu não pensava que tantas pessoas assistiriam ao meu filme. Sinto que realizei um bom trabalho.”
Que tipo de coisas você faz normalmente em casa, além de fazer filmes?
“Quando minha avó e sua mãe vão cortar forragem nos campos, eu ajudo a levar para casa. Eu gosto de brincar no campo, plantando e regando vegetais.”
“Em nossas aldeias, as pessoas como eu vão para a escola do governo. Se eles têm um monte de dinheiro, eles podem ir para a cidade e estudar inglês, de forma que não têm de se preocupar com as questões agrícolas. Minha tia e meu tio trabalham no campus de Deccan, então eu comecei a trabalhar com cinema. Eu também faço trabalho tradicional em casa, como buscar água e varrer a casa, então eu não sou muito diferente das outras garotas.”
“Eu costumava pensar que eu nunca seria capaz de fazer isso. Mesmo agora, às vezes me pergunto se sou eu quem fez o filme. Preocupa-me que com cada novo filme que eu faço, se eu posso fazer isso.”
As palavras de uma verdadeira artista, que tem um futuro promissor.É a prova de que as mídias são uma poderosa ferramenta para educar os analfabetos sobre as práticas agroecológicas sustentáveis, uma das alavancas fundamentais para alcançar a soberania alimentar sustentável.
Deccan Developement Society (em inglês somente)
www.ddsindia.com/www/default.asp
Vídeo realizado por Mayuri (em inglês somente)
PACTOS LOCAIS : Novas alianças entre as comunidades, as redes da economia solidária e as autoridades locais
A redação do artigo foi coordenada por Martine Theveniaut
As questões da oficina: como solicitações feitas por esses novos atores sociais transversais geram mudanças significativas na natureza da política pública e na forma de promovê-la e gerenciá-la? Quais as relações entre as comunidades e instituições rumo a novas formas de exercício de uma democracia real?
Unir as forças para uma outra Europa, 9-11 de novembro de 2012
Uma análise amplamente compartilhada :
A Europa vive um momento dramático, um verdadeiro “estado de emergência”. A democracia foi esvaziada de seu sentido. Nós estamos vendo, indefesos, as decisões sendo tomadas a nível nacional e supranacional. O “processo constitucional” é imposto de cima por governos e pelo Banco Central Europeu, eles próprios submetidos aos ditames dos mercados financeiros. 10 anos após o primeiro Fórum Social Europeu (FSE), Florença 10 +10 reuniu ativistas diversos: estudantes, trabalhadores precários, sindicalistas, ambientalistas, “NO-TAV” contra os trens de alta velocidade nos Alpes), mulheres, migrantes. Suas intenções, encontrando-se e conversando, consistem em desenvolver estratégias e convergir em torno a um roteiro. Porque temos de agir agora para criar as condições de uma resposta social e de uma mobilização pan-europeia de cidadãos.
Durante quatro dias, as paredes da Fortezza da Basso estavam no centro da Europa da solidariedade: democracia, patrimônio comum, meio ambiente, justiça social, contra as políticas de austeridade e da agenda neoliberal. A Europa da água, bem comum de uma sociedade. Os habitantes da Europa para a economia solidária, a soberania alimentar e a defesa das áreas atacadas por grandes infra-estruturas inúteis! Economistas de 10 países lançaram a Rede Europeia de economistas progressistas. A coalizão que reúne 80 sindicatos e movimentos de toda a Europa lançou o AlterSummit (em Atenas em junho de 2013) e muitas novas redes começaram a trabalhar a nível europeu, sobre a dívida pública e a financeirização da natureza.
Jason Nardi, membro de Solidarius Italia, microempresa sem fins lucrativos Economia solidária1, membro do RIPESS Europe.
Exemplos e ensinamentos deduzidos
Que mobilização para uma democracia real?
Nossa experiência nos ensinou que o verdadeiro poder é aquele que leva à ação para encontrar soluções. Com base em uma pesquisa com 50 iniciativas, o pacto local foi criada em 2001 como um processo construído ao longo do tempo, ancorado em um espaço funcional que oferece soluções adaptadas às especificidades de cada sociedade local, especialmente suas especificidades culturais. Sua abordagem é abrangente e reflete um compromisso contraído. Ele encarna valores, instala o diálogo entre grupos de atores, aprende a operar de forma diferente e produz inteligência coletiva. Hoje, acordos locais sob este nome ou outro, existem no mundo inteiro. Mas esta forma de pensar e de proceder não é habitual.
Uma delegação dos “Pactos Locais” (1998) participava do 1º FSE. Desde 2007, a noção de pacto local aos poucos se consolidou, e a associação se abriu à dimensão europeia. Ela elaborou a “Viagem de aprendizagem” e organizou 6 encontros para preparar o encontro europeu do RIPESS – “Lux’09” – em abril de 2009. Fazer uma visita in loco permite aprender uns com outros e compreender como local/global interagem. Discutir no seio de um grupo de reflexão não acadêmico de profissionais permite consensos para desenvolver juntos certas propostas.
Martine Theveniaut, socióloga, coordenadora da rede Pactos Europeus membro da RIPESS Europe2
Como cresce um tecido local
As atividades que brotam da observação de pequenas necessidades: mercados de agricultores, reuniões e trocas de formação entre “gasisti”, os membros de Grupos de Compras Solidárias, o planejamento compartilhado, são alguns exemplos das realizações da REES, a Rede de Economia Solidária e Ética de Marche, na Itália, no âmbito local. Para não perder o contato com o território, as autoridades locais estão inseridas nestes percursos que se transformam em formação para todos. O crescimento do tecido social resulta disso, ao mesmo tempo, como motor de promoção da atividade e como dispositivo de controle da boa execução das escolhas públicas. Passa também aqui, a recuperação do conceito de cidadão, rebaixado em consumidor. Através da sua participação, recupera o poder de escolher, assume o volante para orientar-se e re-emancipar-se.
A busca do bem-estar está na base das atividades, ela atrai e facilita a multiplicação. Ela interrompe a noção de lucro em que predomina a escolha do “indivíduo” antes da comunidade para valorizar relações fundadas em uma economia centrada no homem.
Existem outras redes e territórios da economia solidária na Toscana, Lombardia, Lázio, Trentino, Emilia-Romana, Abruzzo, Friuli. Ela se define como “a economia das redes e das relações, horizontais e não hierárquicas entre operadores, baseadas sobre o compartilhamento dos conhecimentos, dos mercados, das informações, dos recursos” 3.
Franca Bruglia, REES Marche.
Construir coalizões sociais locais
A estratégia de pactos locais é profundamente coerente com o que Solidarius Itália tenta concretamente alcançar em suas intervenções. Nossa missão é apoiar - com o treinamento e as ferramentas para análise e planejamento social – a construção e o fortalecimento de cooperação e de redes de economia solidária em algumas áreas. Com a metodologia de pesquisa-ação - realizada com base em uma análise da realidade local, das necessidades, dos recursos e dos problemas que surgem com as suas características - nós ajudamos a criar coalizões sociais locais que impulsionam e apóiam a construção de redes de solidariedade com a participação de sujeitos plurais (empresas solidárias, grupos, associações de promoção social de voluntariado, instituições “virtuosas” …). Na verdade, esta é uma outra forma de definir os pactos locais. Enquanto pactos as coalizões sociais não podem ser pré-definidas, mas construídas de acordo com uma lógica “glocal” ouvindo os territórios, mas juntos, longe do localismo e da fragmentação. Como pactos, necessitam expandir suas atividades para um campo de força que compartilhe os valores e os objetivos que estão na base da economia solidária, mas, ao mesmo tempo, evitar a auto-referência e as tentações minoritárias.
Soana Tortora, Solidarius Itália
O projeto “Venezia per l’Altraeconomia”
Aprovado em 27 de outubro de 2006 pela Câmara de Vereadores, o projeto prevê a construção de uma mesa redonda permanentemente, aloca um edifício em Mestre e um orçamento para a promoção e desenvolvimento deste conceito. Em 2010, a cooperativa Sesterzo é criada para alcançar estes objetivos. O AERES, parceiro da Câmara de Vereadores propõe que uma série de atividades e de iniciativas seja hospedada pela estrutura PLIP que é uma rede de micro-organismos envolvidos no setor da Altraeconomia. O objetivo é que Palaplip se torne um lugar de encontro para este movimento: centro de educação para os jovens e adultos, de laboratório experimental para empresários e profissionais, centro da cultura local de patrocínio, um ponto de agregação para diferentes grupos em prol da solidariedade e da economia local. Dois exemplos entre muitos outros: “Strada Facendo é uma escola de teatro para os jovens adultos. Ela estimula a participação cívica e a promoção de um forte sentimento de comunidade nos alunos. A primeira temporada do programa terminou em 6 de maio de 2012 com “Poetic Mob” na praça Ferretto em Mestre, animada por um grupo de estudantes de 8-14 anos.
As artes de rua o teatro deram aos alunos a oportunidade de experimentar uma nova relação com a cidade e suas instituições. A “Osteria Bio-Solidale é outra experiência sector empresarial do Altraeconomia:
todos os aspectos do projeto foram abordados com uma visão social e ambiental.
David Marchiori, presidente da Cooperativa Sesterzo, representante de Urgenci junto ao RIPESS Europe4
Conclusão com várias vozes:
Jason Nardi :
Imaginemos e construamos a Europa que queremos. Unir as forças vivas da sociedade em nossas comunidades para criar a massa crítica necessária para deter a espiral da especulação financeira que leva ao fim da democracia é o que precisamos urgentemente. Pactos locais entre as comunidades de cidadãos que praticam a economia solidária de diversas maneiras com as autoridades locais virtuosas (ou apenas “normais”) e instituições são a forma de construir uma nova Europa por baixo de uma maneira prática e eficaz.
Martine Theveniaut :
O Pacto é uma ferramenta para a cooperação local entre os diferentes atores em vários níveis. A democracia é a fundação do edifício para a gestão territorial dos problemas no dia a dia, mas também para ligar-se, de forma dinâmica e diferenciada à economia globalizada: a cooperação reflete uma responsabilidade partilhada para agir - em conjunto ou de forma independente - em uma abordagem global e coerente para alcançar um objetivo de interesse geral. Este poder cidadão de iniciativa e de ação inclui opor-se a decisões “fora de contexto” de planejamento que comprometem as possibilidades das populações afetadas para viver de forma saudável, com segurança e em paz.
Franca Bruglia :
Um encontro cheio de idéias. Todas as modalidades estão evoluindo. A participação na construção do bem comum transcende a noção abstrata de democracia e é declinada nos territórios por ações concretas que envolvem todos os interessados em uma verdadeira colaboração baseada na paridade.
David Marchiori :
O mais importante é que todos esses objetivos sejam alcançados através de novas redes de relações construídas pelo sistema da Altraeconomia: ele é essencialmente um espaço de encontro e a convicção que é possível obter o desenvolvimento social usando redes sociais abetas e não competitivas.
Fontes :
Bulletin International de Développement Local durable n°94